ÁREA RESTRITA    
Login    Senha   
Página Incial
Técnicos Tributários participam de assembleia conjunta dos servidores públicos
Em coletiva de imprensa, Afocefe apresenta proposta para Estado superar acrise
Afocefe apresenta ao presidente da Assembleia Legislativa estudo que aponta saída para crise
NEWSLETTER
Assine a newsletter do AFOCEFE Sindicato e receba notícias por
e-mail:
Nome:
E-mail:
Notícias

Sobre Ociosidade

30/09/2005
O jornalista David Coimbra foi estagiário da Secretaria da Fazenda
Algo sob a peruca
Seu Adegar usava peruca. Trabalhava numa repartição pública, era chefe de setor. Eu era estagiário, chegava de manhã e seu Adegar já estava lá, atrás da mesa e debaixo da peruca, muito sério. Ficava sempre daquele jeito: quieto, sem falar, sem rir, sem se enfurecer e, o mais curioso, sem fazer coisa alguma.
Talvez o trabalho dele fosse exatamente esse: vigiar os outros. Mas era uma vigilância muda e provavelmente surda, porque seu Adegar não interagia com nenhum funcionário, nunca nos repreendia, nunca nos elogiava, nunca achava graça de piada alguma, nada. Só fazia ficar sentado no fundo da sala, de frente para nós, olhando o oxigênio.
Eu imaginava que o seu Adegar devia ser um homem por demais inteligente. Porque ele pensava muito! Era praticamente sua única atividade. Chegava à repartição, aboletava-se na cadeira, cruzava os dedos sobre o tampo da mesa e pensava, pensava.
Foi por isso que um dia decidi: devia conhecê-lo melhor. Decerto teria algo importante a dizer, eu poderia aprender muito com ele. Então, uma manhã, sentei ao lado do seu Adegar e comecei a provocar conversa, disposto a colher diamantes de sabedoria. Sua primeira reação foi ficar desconfiado. Achei normal, tratava-se de um tímido. Mas, após alguma insistência, compreendi o que ele realmente era: uma besta. O homem não passava de monotonia e mediocridade. Tinha todo o tempo para pensar, e não aproveitava nada.
Minha conclusão foi de que o tempo inativo apenas prejudicou o seu Adegar. Por falta de exercício, o cérebro dele foi se atrofiando, até que não raciocinava mais. Exercia suas funções biológicas e existia, só. Como uma chicória. Concluí que a inatividade faz mal ao intelecto. Mas restou a dúvida de como seu Adegar havia se transformado naquela planta de peruca. Segredo que, mais tarde, descobri.
Não tão tarde quanto descobri que estava errado. Porque só agora, anos depois, vejo que as pessoas estão fazendo o oposto do seu Adegar. Elas se ocupam o tempo todo. Não há minuto que não estejam digitando dáblios ou mudando de canal ou teclando 99. As pessoas não se dão mais tempo para pensar. E isso não as torna mais sábias. Esses hábitos, eles se arraigam e mudam o homem até a alma.
Aliás, foi o problema do seu Adegar. Ele não se tornou inativo por opção; foi por hábito. Deduzi isso quando, uma tarde, alguém abriu a janela da repartição e ele, enfim, reagiu. Ficou aflito, chegou a levantar-se para fechar a janela. Aí entendi: a peruca! Seu Adegar tinha medo pânico de que a peruca se lhe escorregasse da cabeça lisa. Então ele se mexia o mínimo possível, não baixava a cabeça para ler, nem a sacudia numa gargalhada. Assim, ele emburreceu devagar, mas inexoravelmente. Tudo por causa da peruca. Os perigos que o ser humano corre neste mundo...
Fonte: Zero Hora Data: 30/09/05

VOLTAR
Print

Em construção

Rua dos Andradas, 1234, 21º andar - Porto Alegre/RS - CEP 90.020-008
Fone: (51) 3021.2600 - e-mail: afocefe@afocefe.org.br